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Foto do escritorLeo Gudel

CLICHÊ NA ENTRADA

Atualizado: 31 de jan.

Como eu começo a minha página com um clichê, vou aproveitar para dar o devido valor ao que é injustamente desvalorizado.


Jayme Gudel (meu pai), Ruy Guerra e eu. Set do filme O Veneno da Madrugada, de Gabriel García Márquez - 2004.


Por quê o clichê é tão desvalorizado? É obvio! Tanto o clichê, quanto a resposta. O clichê é sem criatividade, é lugar comum, é medíocre, enfim, é obvio e sem graça.


A gente que trabalha com arte ou criação sempre quer fugir do clichê. O problema é que quando pegamos nossos textos, filmes e trabalhos antigos, geralmente o desgraçado está lá, rindo da gente e na época a gente nem percebeu...


Tive o privilégio de começar minha carreira trabalhando com o Ruy Guerra na adaptação de um livro do Gabriel García Márquez. Muita sorte! Ele e o Walter Carvalho me ensinaram tudo que sei a respeito de criação e arte. Não sei muita coisa, o que sei é que tive muita sorte de estar junto com esses caras. Voltando para o assunto do post, uma das ferramentas mais valiosas que o Ruy me ensinou foi a utilidade do clichê no processo criativo.


Ele sempre contava sobre um roteirista norte americano dos anos 40 chamado John Smith. Perseguido pelo senador McCarthy, na época da caça às bruxas contra os comunistas da indústria cinematográfica, John tinha uma característica marcante em todos os seus filmes. Ele era medíocre. Todas as suas soluções eram clichês óbvios e previsíveis. Vou dar um exemplo. Se queria mostrar que o tempo estava passando, escrevia o close de um relógio de parede com os ponteiros girando. Por ser tão medíocre, o que não faltava para ele era trabalho em Hollywood. Fez quase todos os filmes da época. E como era muito útil para a indústria, foi blindado pelos tycoons, magnatas do cinema. Enquanto vários colegas foram presos ou tiveram a carreira arruinada pelo Macarthismo, John Smith passou ileso, escapou sem sofrer nenhuma repressão. Logo no início do seu processo no senado, foi absolvido e todas as acusações arquivadas.


Quem trabalha com criação sabe que às vezes a gente trava. Empaca num problema que parece impossível de resolver. O famoso "é raro, mas acontece com muita frequência". Comigo acontece sempre. Nessas horas, quando estávamos trabalhando no roteiro, o Ruy parava tudo que estava fazendo. Sentava, acendia o seu charuto, fazia bastante fumaça olhando para o teto pensativo. Até que, devagar, chegava com o corpo para frente, apoiava os cotovelos nas pernas, olhava para mim e se perguntava em voz alta: o que o John Smith faria nessa situação? Pergunta retórica, porque ele mesmo respondia. E dava a solução mais óbvia e sem graça possível.


Alguma dessas soluções, desses clichês medíocres no estilo John Smith, já entraram em algum filme, peça ou música do Ruy Guerra? Nunca. Mas serviram de ponto de partida. O Ruy sempre dizia para não ter medo dos clichês, ajudam a pavimentar o caminho, tornar os pensamento abstratos em imagens concretas. A partir deles fica mais fácil começar a jornada de criação. Com certeza é bem melhor do que a folha em branco!


A grande frase do Ruy Guerra nessas horas é: o problema não é começar com o clichê, o problema é terminar com ele. Use ele à vontade no processo criativo. Só não deixe que ele termine na sua obra final.


Como começo com um clichê logo de entrada no meu site, não sou um bom exemplo a ser seguido. Mas também não sou um bom exemplo para nada, então relaxa bicho.


P.S.: eu já ia me esquecendo! John Smith não existe. Nunca existiu. É uma invenção do Ruy Guerra. Um personagem que ele criou para elaborar soluções criativas. O Ruy é muito gênio. Oto patamar!


Ainda terminei com uma homenagem ao BH27 kkkkkk Pra cima deles galera!

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